v. 8 n. 17 (2022): Dossiê Interseccionalidades: entre saberes e espaços

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CAPA

Uma outra versão da evolução humana

Laleska Freitas

Interseccionalidade: quando eu penso nesse conceito visualmente sempre o entendo como encontro d'água, por isso comecei essa criação com o encontro do rio Negro com o rio Solimões que gera o famoso Amazonas. Esse encontro é o filtro sobre as outras ilustrações que compõe essa arte final.

Outros processos me levaram a encontrar as outras partes do todo. Na busca por uma versão feminina do homem venusiano, a princípio para reconstruir a imagem da perfeição moderna, encontrei a Vênus negra (simbólico?). Frente a essa belíssima Vênus, no entanto, meus planos mudaram e eu comecei a representar os encontros d'água que formam a humanidade. Busquem imagens da evolução humana, da nossa espécie: são sempre homens brancos caminhando em direção ao futuro. Com essa arte que está na capa deste dossiê eu quis mostrar outras facetas da nossa evolução humana, as que tanto contribuíram para que hoje tivéssemos essa composição socioespacial.

Provocando o ocidente, uso de uma imagem de peregrinação pelo deserto fazendo referência aos árabes do Norte da África para tanto significar esse caminhar evolutivo quanto a contribuição árabe aos pilares ocidentais - afinal não teríamos nem registros de muitos filósofos da antiguidade sem a preservação desses conhecimentos por parte dos árabes. Esse elemento da arte também simboliza a contribuição do Oriente ao pensamento ocidental, que não veio porque um ocidental encontrou uma caixa com um Jinn dentro dela e ele não o matou, mas lhe realizou um pedido. Aqui buscamos representar o oriente sem orientalismo (ou colonialismo).

Os povos indígenas foram representados contribuindo também na evolução humana. Uma ilustração do grupo indígena Tupinambá foi utilizada pontuando a minha posicionalidade, já que sou uma carioca, descendente de indígenas do litoral fluminense que falam Tupi, e essas são as únicas informações que eu sei sobre essa parte da minha ancestralidade por conta de séculos de desindinização no Brasil. Mas essa ilustração busca representar todos os povos nativos do mundo, sejam da África, da Oceania ou outro continente, pois eles também contribuíram para a evolução humana.

A mulher negra ao centro, que aparece numa releitura do ideal de beleza ocidental, é tanto um lembrete da ancestralidade mor da humanidade, ligada ao continente africano, como um destaque a contribuição dos povos africanos e da diáspora africana à evolução humana. Apesar de visões coloniais da história limitarem a diáspora africana como descendentes de escravos, não esqueçamos que muitas invenções, conhecimentos que contribuíram com diversas ciências (arquitetura, medicina etc) e mesmo com áreas estéticas vieram de povos africanos, a exemplo do Egito Antigo e das nações que forçadamente migraram para a América e contribuíram para a construção das sociedades que hoje existem nela.

Um parênteses antes de concluir: evolução humana é aqui entendido não como um sinônimo de melhora, como se o que veio antes fosse pior, mas aquilo que com o passar dos tempos foi mais fecundo, e por isso se multiplicou mais vezes e se manteve ao longo do tempo, não sendo necessariamente o mais forte como o darwinismo social preconiza. Evolução relaciona-se muito mais com os Arquétipos da fecundidade e beleza como Oxum e Vênus do que com os Arquétipos aguerridos como Ogum e Marte. E eu digo isso porque, apesar dos pilares modernos quererem objetividade e racionalismo como caminhos para o futuro, a evolução se baseou em sedução e procriação que levam ao predomínio de alguns traços e ideias. Mas não se enganem: há algo de estratégico na sedução, por isso ela agrega tanto o pensar como o sentir.

Em conclusão, essa jornada de criação artística me conduziu a pensar na evolução humana como um excelente exemplo de intersecção. A humanidade é isso, um balaio de tudo e todes, cada elemento do balaio com uma posicionalidade geográfica e histórica, tudo com grande potencial destrutivo e criativo. Uma análise interseccional requer a observação de todos os fatores que contribuem para o fenômeno que dá sentido a pesquisa, pontuando suas posicionalidades e o papel delas na interação desses fatores. É relevante para ciência e particularmente encantador, pois evidencia a multiplicidade de tudo e todos, tal como na criação interseccional da evolução humana eu busquei mostrar a faceta Outra, a que é múltipla e busque o respeito às diferenças.

Fotocolagem realizada com o programa Adobe Photoshop CS6.
Laleska Costa de Freitas
Professora de Geografia do Ensino Fundamental II
Contato: laleskacf@gmail.com

Publicado: 2022-07-31

Editorial

  • APRESENTAÇÃO

    Aline Rozenthal de Souza Cruz, Ana Beatriz da Silva, Ana Claudia Giordani, Claudia Rakel Pereira, Guido Assis, Ivaldo Lima, Joseli Maria Silva, Laís Rocha, Monique Bonifácio Barrozo
    1-14

Leituras